domingo, 12 de fevereiro de 2017

Muito mais que MI-MI-MI

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Em uma sentada só - pois falar que li um livro em um único fôlego pode soar dramático além da conta - reli o excelente "Sejamos Todos Feministas", da autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie.

O livro, que inclusive se encontra disponível para download gratuito no site da editora Companhia das Letras, é uma adaptação do discurso que Chimamanda realizou em Dezembro de 2012 no TEDxEuston, uma espécie de conferência realizada anualmente com foco na África.

Pois bem.

O ponto crucial  do discurso de Chimamanda - além da elementar argumentação sobre a necessidade de se buscar a igualdade de direitos entre homens e mulheres - é o enfrentamento da questão de que o feminismo não é um gênero (feminino) contra o outro (masculino), mas sim a afirmação de que mulheres não são, em absoluto, inferiores aos homens (e nem os homens, inferiores as mulheres!).

Partindo da premissa do preconceito enfrentado pelo sexo feminino em um - ainda existente - contexto social eminentemente patriarcal, Chimamanda outorga valor à discussão de gênero e convida, de maneira absolutamente despretensiosa, a reflexão:

"Uma vez eu estava falando sobre a questão de gênero e um homem me perguntou por que eu me via como uma mulher e não como um ser humano. É o tipo de pergunta que funciona para silenciar a experiência específica de uma pessoa. Lógico que eu sou um ser humano, mas há questões particulares que acontecem comigo no mundo porque sou mulher. Esse mesmo homem, a propósito, com frequência falava de sua experiência como homem negro. (E eu deveria ter respondido: "Por que você não fala das suas experiências como um homem ou um ser humano? Por que tem que ser como um homem negro?")." (p. 45/46)

"Como a questão de gênero incomoda, as pessoas recorrem a vários argumentos para cortar a conversa. Algumas lançam mão da biologia evolutiva dos macacos, lembrando como as fêmeas, por exemplo, se curvam perante os machos. Mas a questão é a seguinte: nós não somos macacos. Macacos vivem em árvores e comem minhocas. Nós, não." (p. 45)

"Então, de uma forma literal, os homens governam o mundo. Isso fazia sentido há mil anos. Onde os seres humanos viviam num mundo onde a força física era o atributo mais importante para a sobrevivência; quanto mais forte a pessoa, mais chance ela tinha de liderar. E os homens, de uma maneira geral, são fisicamente mais fortes. Hoje, vivemos num mundo completamente diferente. A pessoa mais qualificada para liderar não é a pessoa fisicamente mais forte. É a mais inteligente, a mais culta, a mais criativa, a mais inovadora. E não existem hormônios para esses atributos. Tanto um homem como uma mulher podem ser inteligentes, inovadores, criativos. Nós evoluímos. Mas nossas ideias de gênero ainda deixam a desejar." (p. 21)

Chimamanda sustenta que, não obstante por questões eminentemente biológicas homens e mulheres sejam distintos entre si, não há motivo para que haja a enorme segregação de direitos que é imposta, mesmo que de maneira velada, à população feminina:

"Homens e mulheres são diferentes. Temos hormônios em quantidades diferentes, órgãos sexuais diferentes e atributos biológicos diferentes - as mulheres podem ter filhos, os homens não. Os homens têm mais testosterona e em geral são fisicamente mais fortes do que as mulheres. Existem mais mulheres do que homens no mundo - 52% da população mundial é feminina -, mas os cargos de poder e prestígio são ocupados pelos homens. A já falecida queniana Wangari Maathai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz, se expressou muito bem e em poucas palavras quando disse que quanto mais perto do topo chegamos, menos mulheres encontramos" (p. 19/20)

E para melhor ilustrar seu discurso, Chimamanda traz diversos exemplos por meio dos quais é possível criar uma identificação imediata com a indispensável discussão sobre a questão de gênero:

"Tenho numa amiga americana que substituiu um homem num cargo de gerência. Seu predecessor era considerado um "cara durão", que conseguia tudo; era grosseiro, agressivo, rigoroso quanto à folha de ponto. Ela assumiu o cargo, e se imaginava tão dura quanto o chefe anterior, mas talvez um pouco mais generosa - ao contrário dela, ele nem sempre lembrava que as pessoas tinham família. Em poucas semanas no emprego, ela puniu um empregado por ter falsificado a folha de ponto - exatamente como seu predecessor teria feito. O empregado reclamou com o gerente sênior, dizendo que ela era agressiva e difícil. Os outros funcionários concordaram. Um deles, inclusive, disse que tinha achado que ela traria um "toque feminino" ao ambiente de trabalho, mas que isso não acontecera. Não ocorreu a ninguém que ela estava fazendo a mesma coisa pela qual um homem teria recebido elogios". (p. 25/26)

"Conheço uma família que tem um filho e uma filha, com um ano de diferença, ambos alunos brilhantes. Quando o menino está com fome, os pais mandam a garota preparar um macarrão instantâneo para o irmão. Ela não gosta de cozinhar macarrão instantâneo, mas como é menina, tem que obedecer". (p. 39)

"Conheço uma mulher que tem o mesmo diploma e o mesmo emprego que o marido. Quando eles chegam em casa do trabalho, a ela cabe a maior parte das tarefas domésticas, como ocorre em muitos casamentos. Mas o que me surpreende é que sempre que ele troca a fralda do bebê ela fica agradecida. Por que ela não se dá conta de que é normal e natural que ele ajude a cuidar do filho?" (p. 39) 

Ao ler ou assistir o discurso de Chimamanda, a grande reflexão a ser feita é "quanto de preconceito sobre gênero existe em mim?". 

"Perdemos muito tempo ensinando as meninas a se preocupar com o que os meninos pensam delas. Mas o oposto não acontece. Não ensinamos os meninos a se preocuparem em ser "benquistos". Se, por um lado, perdemos muito tempo dizendo as meninas que elas não podem sentir raiva ou ser agressivas ou duras, por outro lado elogiamos ou perdoamos os meninos pelas mesmas razões. Em todos os lugares do mundo, existem milhares de artigos e livros ensinando o que as mulheres devem fazer, como devem ou não devem ser para atrair e agradar os homens. Livros sobre como os homens devem agradar as mulheres são poucos." (p. 27)

Com a releitura do livro, pude ver que cada frase tecida pela autora - mesmo diante da resistência inicial que as discussões de gênero trazem consigo, afinal: hoje tudo é rotulado de "mi-mi-mi" - contém um convite tanto ao pensamento crítico, quanto à ponderação de valores tão arraigados em nossa criação e  sobre a adequação dos mesmos ao contexto social atual. 

Ora, seria a própria questão do recato e da sexualidade um tema ser constante tabu? Por que é tão difícil compreender que em um estupro, por exemplo, a culpa nunca é da vítima, logo, pouco importa a roupa ou a atitude dela? 
Por que sua chefe é "louca" e seu chefe é "difícil"? 
Por que sua amiga é dramática e faz "tempestade em copo d'água" enquanto que seu amigo, tadinho, é frágil?
Por que, ainda hoje, falamos em "moça para casar"?
Quem criou a regra de "não se deve 'dar' de primeira"?
Por que a escolha de não querer se casar deve ser sempre justificada?
Por que o não querer ter filhos é visto como algo tão terrível?

Por essas e tantas outras questões: sejamos todos feministas! 

"A questão de gênero é importante em qualquer canto do mundo. É importante que comecemos a planejar e sonhar um mundo diferente. Um mundo mais justo. Um mundo de homens mais felizes e mulheres mais felizes, mais autênticos consigo mesmos. E é assim que devemos começar: precisamos criar nossas filhas de uma maneira diferente. Também precisamos criar nossos filhos de uma maneira diferente." (p. 28)

4 comentários:

  1. Maravilhoso! Acho que o dom da Chimamamda é dar belos tapas na cara enquanto sorrimos!

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  2. Excelente texto! Ocorre que nós, mulheres, muitas das vezes, corroboramos com a ideia da "superioridade masculina", ou pq reproduzimos a educação machista que recebemos,ou porque nós calamos diante de determinadas situações. E, como diz o velho ditado, quem cala consente.
    Logo, livros e textos como esse são de extrema relevância para quebrarmos esse ciclo.
    Obrigada, Nat, por nos provocar com essa temática, que, mesmo já no século XXI e com tantas conquistas, ainda nos inquieta! Bjoooo

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    1. Obrigada pelas considerações, Vinha. De fato, ainda precisamos buscar maneiras de não nos calarmos e de superar esse modelo machista de vivência em sociedade. Beijos.

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