sábado, 25 de março de 2017

Atirei-me no abismo ao largo do campo de centeio [texto em absoluta primeira pessoa]

Hoje, mais precisamente durante uma tediosa aula de pós-graduação, finalizei a leitura do adorável "O Apanhador no Campo de Centeio", do J.D. Salinger. Ocorre que, ao encerrar a leitura, imediatamente me vi em frente a um grande dilema: escrever ou não alguma anotação sobre o livro, pois, no caso dessa obra em específico, fazer alguma citação ou transcrição de um trechinho que o valha poderia resultar em um belíssimo spoiler...Entrementes, mesmo em vista de uma escolha tão dificultosa, não poderia ignorar a genialidade de "O Apanhador no Campo de Centeio", então - e já me desculpando antecipadamente pela brevidade e pela pessoalidade do texto - vou, com empenho, tentar rascunhar algumas linhas sobre esse fantástico livro...

"O Apanhador no Campo de Centeio" é, antes de mais nada, um livro despretensioso que narra um final de semana, na cidade de Nova Iorque, da vida do jovem Houlden Caulfield. E, justamente, por ser tão carente de pretensões que essa obra pioneira na abordagem do tema "juventude" pode ser compreendida tanto como essencial, quanto como atemporal.

Pois bem.

Houden Caulfield, protagonista e narrador da história, é um jovem de classe média e de uma boa família, mas com sérios problemas de como enfrentar todas as mudanças e dilemas típicos das passagens infância para adolescência/ juventude para vida adulta como, por exemplo, "o que fazer do futuro" ou "relacionamentos amorosos".

Além de ser um jovem com todos os "dramas" adolescentes a flor da pele, Houlden Caulfield tem por características principais o fato de ser um bom ouvinte e um mentiroso nato, o que permite a ele firmar conversas e contar anedotas a qualquer um que lhe dê ouvidos. Contudo, mesmo em vista de tais predicados, Houlden não faz o tipo "cínico detestável", muito ao contrário: é justamente a mistura desses malfadados traços de personalidade que torna a narrativa do herói da trama tão envolvente e - porque não?! - sincera.


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Em que pese a perspectiva do livro ser a de um jovem que enfrenta todas as questões tradicionais a qualquer um que esteja naquele limbo entre os doze e dezoito anos de idade, "O Apanhador no Campo de Centeio" consegue abordar, de maneira absolutamente única, aqueles clássicos dilemas enfrentados por qualquer ser humano - de qualquer idade! - com o mínimo de sensibilidade, tocando, neste sentido, em aspectos como empatia, honestidade, afetuosidade...

Outro ponto legal do livro é a descrição de como o jovem, mesmo cercado de pessoas, consegue se sentir solitário e de como a busca incessante por companhia ou diversão vem, justamente, tentar preencher essa constante e dolorosa sensação de vazio.

Talvez, justamente por perpassar essa dolorosa solidão da juventude "O Apanhador no Campo de Centeio" seja uma obra tão atemporal. Isso porque, mesmo com as mais de cinquenta décadas que separam a data de lançamento do livro da presente leitura, é possível constatar que as grandes questões da juventude e do início da idade adulta (e não num contexto meramente etário, mas sim emocional) ainda são as mesmas: no livro, por exemplo, Houlden ligava para pessoas aleatórias ou ia ao encontro das mesmas apenas para ter com quem aplacar o vazio e as ausências de seu "grande fim-de-semana em Nova Iorque"; hoje, alinhavando um paralelo entre a "vida real" e a obra, surge a indagação sobre quantas vezes o acesso insistente à alguma rede social (Whatsapp, Facebook, Instagran, etc.) não foi apenas uma tentativa pífia de espantar aquela terrível sensação de desassossego trazida pela solidão?

Simplesmente: leitura obrigatória!

"Nunca conte nada a ninguém. Se você o fizer, começará a sentir falta de todos" - Houlden Caulfield

*E se você quiser um estímulo "a mais" para ler esse livro, saiba que ele é um dos favoritos do bilionário Bill Gates, portanto: vai que nessa leitura está a sua chave para o sucesso financeiro? #ficaadica


sexta-feira, 17 de março de 2017

Em um recanto sombrio entre as colinas

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No final do mês de fevereiro li, em formato e-book  para Kindle, o fantástico "A Assombração da Casa da Colina", da escritora norte-americana Shirley Jackson.

"Nenhum olho humano pode isolar a coincidência infeliz de linhas e locais que sugerem a malignidade na fachada de uma casa e, no entanto, alguma justaposição demente, algum ângulo defeituosos, algum encontro fortuito de telhado e céu transformava a Casa da Colina em um lugar de desespero. Mais amedrontadora porque a fachada da Casa da Colina parecia estar acordada, vigiando pelas janelas vazias e erguendo com sarcasmo a sobrancelha de uma cornija. Quase todas as casas, tomadas de surpresa ou vistas de um ângulo inesperado, podem olhar humoristicamente alguém que as observe; até uma chaminé brincalhona, ou um a janelinha de água-furtada que parece uma covinha, podem dar ao observador um senso de camaradagem; mas uma casa arrogante e cheia de ódio, sempre defensiva, só pode ser maligna". (pos. 412 a 417)

O livro é uma narrativa ficcional que, conforme muitas das resenhas que li, foi categorizada como um "romance gótico" e conta história de uma pequena expedição à sombria Casa da Colina - construída por um falecido milionário chamado Hugh Crain - onde os personagens participam de uma pesquisa de campo destinada a comprovar a existência do sobrenatural, do imponderável.

Na história, temos quatro personagens centrais: Eleanor Vance, uma solteirona triste que deixara de aproveitar a juventude em prol de cuidar da mãe doente; Theodora, uma jovem sedutora; Dr. Montague, o "líder" responsável pela expedição à Casa da Colina; e, por fim, Luke, o herdeiro da propriedade que acompanhou a expedição a pedido de uma tia apenas para evitar a ocorrência de danos na casa. Além deles, em caráter secundário, temos o casal de criados da casa, a esposa de Dr. Montague e seu jovem acompanhante.

No curso da história, Shirley Jackson leva o leitor a explorar a casa, a misteriosa construção na colina, sob a perspectiva dos quatro personagens centrais.
Dessa forma, ora se encara a construção com o bom-humor de Theodora que, como já dito, é uma jovem sedutora e ansiosa por ser o foco de todas as atenções; ora com a cobiça de Luke, o herdeiro que visualiza os bens de valor que a sua futura propriedade possui; ora com a vulnerabilidade de Eleanor; e, por fim, ora com o "didatismo" de Dr. Montague:

"- Precisamente. Não acharam que é difícil demais achar o caminho dentro desta casa? Uma casa normal não poderia deixar nos quatro tão confusos por tanto tempo, no entanto continuamos a escolher portas erradas, a sala que queremos foge de nós. Até eu estou tendo problemas. - Suspirou e abanou a cabeça. - Acho - continuou - que o velho Hugh Crain esperava que algum dia a Casa da Colina ficasse famosa e fosse exibida, como a Casa Winchester na Califórnia e muitas das casas octogonais; ele mesmo projetou a Casa da Colina, lembrem-se, e como já disse antes, era um homem muito estranho. Todos os ângulos - o doutor fez um gesto em direção à porta de entrada -, são ligeiramente errados. Hugh Crain deve ter detestado as outras pessoas, com casas sensatas, de ângulos perfeitos, porque fez a sua de acordo com suas ideias. Os ângulos que você espera, e tem o direito de esperar, que sejam aqueles ângulos retos a que está acostumado, têm realmente um erro de uma fração de grau em uma ou outra direção." (pos. 1299 a 1306)

É importante destacar que os participantes da  expedição não foram escolhidos a ermo pelo Dr. Montague em sua busca pela comprovação científica de fenômenos paranormais. Em realidade, como narra o livro, Theodora além de jovem e sedutora, teria poderes holísticos, enquanto que Eleanor, na infância, teria passado por uma experiência com poltergeists. Nesse contexto, com exceção de Luke, todos, de alguma maneira, tinham alguma relação com o sobrenatural que, na visão de Dr. Montague, facilitaria as pesquisas realizadas na casa.

Entretanto, a despeito dos personagens que habitam temporariamente a Casa durante a expedição, o livro tem como foco central a propriedade. Por essa razão é possível afirmar que a protagonista de toda a história é a própria Casa da Colina, com todos os seus recantos sombrios e enigmáticos.

"Indiscutivelmente, há lugares que inevitavelmente incorporam uma atmosfera de santidade e bondade; portanto não é tão absurdo dizer que há certas casas que nascem más. A Casa da Colina, seja por que for, tem sido inabitável há mais de vinte anos. Como era antes disso, se sua personalidade foi moldada por pessoas que moraram aqui, ou o que essas pessoas fizeram, ou se era maligna desde o início, são perguntas que não posso responder. Naturalmente espero que todos nós saibamos muito mais sobre a Casa da Colina antes de irmos embora daqui. Ninguém sabe mesmo porque algumas casas são chamadas de mal-assombradas." (pos.856 a 860)

Contudo, é nesse ponto que chega aquela parte em que se torna impossível falar mais da história sem incorrer no crime capital de "dar spoiler". Todavia, o que posso afirmar é que "A Assombração da Casa da Colina" é um livro descritivo, que cria toda uma atmosfera de tensão constante, conseguindo assustar o leitor com frases simples como, por exemplo: "então a porta se abriu". Para quem gosta de horror ou que se iniciar na leitura desse gênero, fica a forte dica.

"A Casa da Colina tem reputação de insistir em hospitalidade; parece que não gosta de perder seus convidados. A última pessoa que tentou deixar a Casa da Colina no escuro - foi há dezoito anos atrás, garanto - foi morta na curva da estrada, quando seu cavalo e a imprensou contra aquela árvore grande". (pos. 818 a 820)

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Ah! Para quem não quiser imaginar e explorar a Casa da Colina por meio da leitura do livro, tem um filme chamado "A Casa Amaldiçoada", baseado na obra de Shirley Jackson. O filme é bem irregular, mas garante alguns sustos...